MAJOR CLEANTHO HOMEM DE SIQUEIRA - NATAL
FALECEU EM NATAL 13/12 2012 UM DOS HEROIS DA 2ª GUERRA
MUNDIAL
Nasci em Natal, mais precisamente no dia 20-12-1922,
completando em dezembro próximo 82 anos. Quando fui convocado, morava com a
minha família na Rua da Estrela, no centro, nos fundos do prédio do INPS, hoje
(rua) José de Alencar.
Era estudante do Atheneu, cursava o segundo ano secundário com 20 anos em 1942.
Mas antes da convocação, eu já tinha passagem no Exército. Em 1939 eu fiz a
Companhia 4, uma espécie de tiro de guerra. Eu era reservista de segunda categoria
do quartel do 31 BC onde hoje fica o colégio Churchil na Avenida Rio Branco,
ali era um quartel velho, o 31 BC, onde funcionou em 1939 a Companhia 4. Em
1942 eu volto para a Companhia 4 para fazer um curso de sargento, a guerra estava
evoluindo na Europa e o Exército aqui já estava se preparando para uma possível
intervenção no conflito. Então, foi um curso de emergência para preparar o
sargento da reserva. E acontece que nesse ano de 1942, eu fui convocado para o
Exército; de modo que eu chego ao Exército no dia 29 de novembro e 18 dias
depois fui promovido a terceiro sargento. Pra mim foi muito bom, essa
visualização antecipada do que poderia acontecer comigo e realmente aconteceu,
eu fui convocado e esse foi o primeiro passo, em 1944 eu fui chamado para a Força
Expedicionária Brasileira.
Nós morávamos na Rua da Estrela e naquela época tudo era muito difícil mas meu
pai comprou um rádio, um rádio Philco, e todas as noites a BBC de Londres
transmitia para o mundo o noticiário sobre a guerra e a parte que tocava ao
Brasil era às 21 horas. Então minha mãe colocava na sala todas as cadeiras
disponíveis e nossos visinhos, todos, vinham ouvir o noticiário da BBC de
Londres e noticias sobre a guerra. De modo que de início, a partir da eclosão
da guerra em setembro de 1939, passamos a participar daquele clima de guerra.
Em princípio, não esperava ser convocado. O Brasil era um
país praticamente agrícola, nós não tínhamos nada, a nossa pobreza era muito
grande e ficamos aguardando, ao sabor das notícias dos acontecimentos da guerra
que se desenrolava na Europa. Mas a guerra foi avançando, foi ganhando proporções
maiores, os exércitos alemães progredindo na Europa toda, foram anexando
países, até se tornar uma coisa maior, mais ampla, com o afundamento dos nossos
navios. Veio a provocação e a decisão do governo brasileiro de entrar na guerra
em 1942.
O meu pessoal (família), já estava mais ou menos preparado. Nessa época, a
preocupação do governo era a vigilância e a proteção do nosso litoral, todo o
litoral do Nordeste brasileiro. Por que essa preocupação? Pois nessa ocasião eles
(alemães) atuavam no norte da África e havia, imaginava-se uma força militar do
general Rommel ocupando a África, chegando até Dakar, eles poderiam pensar num
lance maior e estender seus tentáculos até o Brasil, e o lugar brasileiro mais
próximo da África é Natal. E houve uma preocupação muito grande. As autoridades
brasileiras tomaram suas providências e a partir daí passou a proteger nosso
litoral, contra uma eventualidade, uma possível penetração dos exércitos
alemães por aqui, através do Nordeste. Havia na cidade aquele temor que essa
coisa pudesse a qualquer momento acontecer e passamos a viver um clima mais
aproximado da guerra. E a guerra lá foi ganhando espaço, aumentando, mas o exército
alemão não chegou a concretizar seu objetivo na África, o que diminuiu, um pouco,
a tensão aqui, mas a população chegou a viver momentos de apreensão, difíceis.
Isso levou as nossas forças armadas a reforçar suas atividades aqui em Natal.
Nessa época, quando fui chamado, eu estava na Barra de Maxaranguape que naquela
época era uma vila modestíssima de pescadores. Todas essas praias tinham
tropas, de pelotão à corpo de combate. Maxaranguape tinha pelotão, Touros, e
mais na frente, Caiçara, Rio do Fogo… até o fim do litoral. Aqui pras praias do
sul a mesma coisa; Baía Formosa, todas essas praias tinham militares do
Exército fazendo esse trabalho de vigilância e proteção do litoral. E eu estava
exatamente na Barra de Maxaranguape quando recebi o chamado lá para ingressar
na Força Expedicionária que tinha sido criada recentemente.
– Eu acho interessante! Interessante! Eu gostaria! Se fosse possível de ir. E
você?
– Ora, você indo eu vou com você!
Na praia eram duas ruas de casas, de frente praticamente pro mar. E tinha um
cidadão que tinha uma merceariazinha muito humilde, lá no fim da rua. Ele tinha
uma máquina de escrever, uma máquina A minha família já imaginava… as notícias
surgindo… o Brasil se preparando… organizou esse corpo do exército e ficou
naquela expectativa (a família), até que a convocação se realizou, de modo que
não chocou, foi uma coisa natural, uma coisa que era esperada e aconteceu de
modo que a preocupação do meu pai foi normal, a família, a mãe não queria
receber a notícia de que o filho ia pra guerra, sente… De modo que nós, em
junho de 1944 eu estava em Maxaranguape e numa ocasião, à tarde um amigo meu
que estava em Touros, o sargento Júdson, sargento como eu. E ele me dava
informações de tudo, pois naquela época nós vivíamos isolados de tudo praticamente,
sem notícias de absolutamente nada. Maxaranguape era uma vila muito humilde,
não tinha estrada, era município de Ceará Mirim. E o Júdson me faz essa
revelação:
– Olha, em Natal se comenta que o país declarou guerra as potências do Eixo e
criou uma força pra mandar pra Europa. E eu estou passando por aqui pra ver com
você. Você quer topar? Eu vim conversar com você. E naturalmente, o que você
acha?
daquelas muito antigas e lá ele usava papel, naquela época o papel era em maço,
pautado. Judson preparou um requerimento, entregamos e no outro dia um soldado
veio trazendo o requerimento que foi entregue na nossa unidade, que era o 16 RI
na Hermes da Fonseca. Era uma unidade nova, um quartel novo. Então houve uma
coincidência: no momento em que esse nosso pedido chega, o nosso requerimento,
conforme informações de pessoas que trabalhavam no gabinete do comandante, o
nosso requerimento tava em cima da mesa do coronel, já despachado
favoravelmente, concedendo esse nosso pedido, quando chega um rádio pedindo que
a nossa unidade aqui mandasse para Recife 18 sargentos, 1 subtenente e dois
cabos. Veja só, só graduados, 21 homens. Saímos daqui em um dia de junho que eu
não me lembro qual. Embarcamos aqui num trem, numa estrada de ferro à meia
noite e chegamos em Recife no dia seguinte. E lá, nos juntamos com um contingente
vindo de João Pessoa, Fortaleza e Maceió. E esse grupo, primeiro que saiu do
Nordeste, foi pro Rio de Janeiro, e do Rio de Janeiro nós fomos distribuídos
pelas três unidades que formavam a Força Expedicionária Brasileira, que eram:
1° Regimento de Infantaria, do Rio de Janeiro, o 6° Regimento de Infantaria, de
Caçapava, São Paulo e o 11° Regimento de Infantaria de São João del Rei em
Minas Gerais e eu fui incluído, no Rio, exatamente no 11. Lá houve uma
preparação. Preparação psicológica… Aquela coisa toda.
O armamento nós não conhecíamos, tudo era novidade. O sexto embarcou, se não me
engano no dia 6 de junho e o 1° e o 11, no dia 22 de setembro.
A preparação para a guerra era muita instrução, inspeção de saúde muito
rigorosa… Nós fomos imunizados contra essas doenças que podiam ocorrer pra lá;
tétano, essa coisa toda. De modo que depois disso recebemos o uniforme, a
instrução foi incrementada, preparo físico também. As providencias iniciais. E no
dia 22 de setembro nós embarcamos no navio General Meigs, um navio de transporte
de tropas norte-americano. A viajem, embora fosse uma viagem ruim, havia aquela
sensação… nessa época os submarinos alemães andavam por aí. O nosso comboio era
protegido por navios da nossa esquadra, dois destróieres e um cruzador, até
Gibraltar. Nas alturas de Gibraltar nossa escolta foi substituída por elementos
da Marinha Americana, e a aviação sempre nos acompanhava. Graças a Deus, a
viajem transcorreu sem maiores problemas. Agora, uma viagem desconfortável,
éramos pouco mais de cinco mil homens empilhados no navio, eram três regimentos
de infantaria no navio. Só a tripulação eram quase mil homens, tudo muito
apertado dentro do navio, um desconforto total. Tínhamos duas alimentações no
dia, o café da manhã e só íamos comer (novamente) de tarde. Uma comida diferente
da nossa, embora nós tivéssemos sido preparados pra isso.
Não tínhamos conforto, éramos acomodados em beliches, da altura do chão, até o
teto, umas prateleiras, de modo que fazia um calor tremendo, ficávamos o dia
inteiro sem muita roupa, só de calção. O dia, nós passávamos no convés do navio,
quando a noite esfriava, nós descíamos para nossas acomodações. E essa viagem
demorou 14 dias.
O destino, quando nós embarcamos aqui, não sabíamos. Havia um boato que íamos
para a África, ninguém sabia, somente o comandante (do navio) e o general Mascarenhas
de Moraes, somente eles sabiam nosso destino, mas ninguém. De modo que na manhã
de 4 de outubro, se a memória não me falha foi 4 de outubro, os auto-falantes
do navio anunciaram que nós podíamos subir ao convés, que estávamos chegando à
nosso destino, o porto de Nápoles. Somente nesse momento é que ficamos sabendo.
Passamos no porto de Nápoles dois ou três dias. Você assistiu esse documentário
do desembarque na Normandia? De modo que aquelas barcaças que foram usadas no
desembarque, foram enviadas para a Itália para nos transportar do porto de
Nápoles ao porto de Livorno (O entrevistado localiza as cidades no mapa
italiano na parede de sua sala). Nós saímos daqui, entramos no Mediterrâneo,
chegamos aqui em Nápoles e fomos transportados para Livorno, esse trecho todo
aqui. Entendeu? Foi uma noite terrível, as embarcações não tinham cobertura,
essas barcas cabiam cerca de 200 homens e eram (as barcas), coisa de 200. Aqui
(no mapa) é o porto de Civitavécchia. Eu sei que o comandante do nosso comboio
recebeu informações de que os alemães estavam bombardeando Livorno, então nós
fizemos uma parada nesse porto. Noite terrível meu Deus do céu! Frio, muito
vento e chuva. Ficamos todos molhados numa frieza terrível e no dia seguinte
desembarcamos em Livorno e fomos transportados para Pisa. A guerra para nós se
desenvolveu aqui (mapa) nessa região do norte da Itália, Piemonte, até terminarmos
aqui, no norte, na fronteira norte da Itália.
Quando cheguei vi um país arrasado, um povo sofrido, porque eu costumo dizer e,
é importante a gente acrescentar isso: o que mais marcou o combatente
brasileiro foi o sofrimento da população civil. Como sofre, principalmente as
mulheres, as crianças e os velhos. Os jovens somem todo mundo. Todo mundo na
Itália estava empenhado na guerra, cada família, quando a gente chegava e
conversava, tinha seu drama particular para contar: que alguém tinha sumido, o
pai tinha sido fuzilado pelos alemães. Era a situação pior que eu já vi. Os
velhos foram levados também. Agora, somando-se a isso aí, a falta de alimento,
de remédios, vestuário, falta de tudo. Numa ocasião, numa entrevista, um jornalista
perguntou para o general Einshover, que era o comandante supremo das operações na
Itália, o que ele achava da guerra. Numa palavra ele sintetizou tudo. Disse: “A
guerra é uma desgraça” foi um termo mais ou menos assim. E é. Miséria,
barbaridade.
De modo que desembarcamos lá (em Livorno) e nos instalamos num acampamento em
Pisa, aí nós estamos chegando nessa parte. Uma outra pergunta do seu
questionário aí…
Quando nós desembarcamos no porto de Nápoles e de lá para Livorno, a primeira
impressão foi muito triste. O porto de Nápoles, são detalhes, ali no canto
tinha um monte de ferro velho, restos de embarcações, de viaturas, muito ferro,
e lá tinha uma porção de homens acocorados, segurando um barbante e, em meio a
nossa curiosidade, aqueles homens estavam ali caçando ratos. Ficavam com uma
ratoeira numa ponta de um barbante e quando a ratoeira disparava eles puxavam. Aquilo
ali era o alimento. De modo que tudo que matasse a fome eles pegavam. Quando
nós chegamos tinha muitas crianças e nós jogávamos biscoitos, chocolates e eles
partiam para cima. Logo veio uma ordem para que nós não jogássemos nada porque
machucava, machucava as crianças porque os adultos entravam também famintos,
não tinham nada, absolutamente nada. Agente via cenas fortes e tudo isso
maltratava demais, isso marcou muito todos nós (emoção). De modo que eu estou
aqui hoje contando uma história…
Quando chegamos, fomos de caminhão para as proximidades da cidade de Pisa onde
tem aquela torre, que eu tenho aquela miniaturazinha ali ó (miniatura da torre
de Pisa na sala), fica pertinho da cidade. Ficamos naquelas barraquinhas quando
recebemos o armamento, que nos era estranho, completamente diferente do que nós
usávamos aqui, armas individuais, armas automáticas, metralhadoras, tinha
armamento que nós não conhecíamos como a bazuca, o canhão de carro… O canhão de
carro aqui era um 37 milímetros, lá era um 57. Os armamentos eram todos
americanos e a partir daí houve um incremento da adaptação ao clima e aos
padrões americanos, porque o exército aqui foi preparado na doutrina francesa e
tivemos que nos adaptar rapidamente aquilo.
Quando nós chegamos lá o 6° (6° RI), que foi primeiro, já estava empenhado na
linha de combate e o meu batalhão encontrou os alemães num lugar chamado
Camaiore, a poucos quilômetros de Monte Castelo. Houve fatores aí que
comprometeram a nossa atuação: chuva, muita chuva, muita lama, a visibilidade
caiu e a artilharia não pôde executar seus tiros com precisão, a aviação também
não pode nos dar apoio e esse combate, embora tenha se iniciado, foi retraído,
retraído com mortos e feridos. No dia 29 de novembro nós retornamos esse
combate e foi outro fracasso. Foi um golpe muito duro. E logo a partir disso
aí, naqueles dias a neve começou a cair, o inverno chegou. E esse inverno,
comentava-se muito, foi um dos piores da Europa entre 1944-45, um dos invernos
mais rigorosos da Europa. Então a frente começou a parar, estabilizou tudo, na
Europa toda. A neve começou a aumentar e foi aumentando. A neve começou a cair,
exatamente naquela região onde nós estávamos, a região das montanhas no dia 24
de dezembro, na véspera de natal. Eu estava no momento fazendo uma ronda quando
de repente começa a cair do céu àquelas coisinhas branquinhas, pareciam umas
peninhas. Eu via neve no cinema, nesse tempo não tinha televisão, era no
cinema, em fotografias. E aquilo começou a cair, e eu fui colhendo, botei na
minha mão e ela logo derreteu. Os soldados estavam no abrigo e eu chamei todo
mundo pra ver aquele fenômeno atípico para nós. E anoiteceu, aquela paisagem
escura, porque nós estávamos nas montanhas, um pedregulho tremendo, só rocha, sabe?
Nós tínhamos alguns arbustos, mas eram poucos, e a partir daí, quando o dia
amanheceu, a paisagem já era outra, aquela paisagem escura toda, era como se
tivesse estendido um lençol branco, tava tudo branco. A partir daí a neve foi caindo
e se acumulando coisa de 30, 40 e até 50 cm. As viaturas iam passando e
comprimindo a neve que ia se solidificando, uma calota de gelo imensa, as
viaturas andavam com correntes nas quatro rodas, pois escorregava demais. Você
pode imaginar a coisa mais escorreguenta que puder, pior que sabão muitas
vezes. Até andar era difícil.
O nosso uniforme não era adequado, de lã, mas muito precária, muito fina. O que
nos socorreu foi o uniforme dos americanos. Forneceram para nossa unidade,
nossa divisão, umas jaquetas aconchegantes, forradas algumas com pele de
carneiro. E resolveu, quebrou o galho. Mas que fique claro: todo o material que
consumimos na Itália foi pago pelo governo brasileiro. Nós não usamos nada de
graça do americano, tudo foi pago; o uniforme, a alimentação, tudo. Eles estabeleceram
na época o chamado Plano Marshal, exatamente para prever essas necessidades na
Europa.
Nós ficamos ali parados até dezembro.
Você sabe a história do exército alemão? O exército alemão perdeu uma divisão
completa em Stalingrado, a sexta divisão do general…Não me lembro o nome.
Quando começou o degelo, quando a neve não caia mais…Os combates não cessaram
durante o inverno, havia combates isolados. Patrulhas de reconhecimento. Eles
vinham pra cá, nós íamos pra lá e algumas vezes havia o choque de viaturas,
combates isolados, isso até a retomada dos combates na ofensiva da primavera em
fevereiro. E no dia 21 de fevereiro, mais precisamente, houve o terceiro
combate, em Monte Castelo, o dia todo, foi uma luta muito dura, Monte Castelo tem
800 metros de altura e eles (os alemães) muito bem, trabalhavam na defensiva e
nós lá embaixo no Vale do Pó. Um domínio total dos alemães naquelas alturas, de
modo que nós ficamos lá, atacamos em fevereiro, dia 21, e o castelo caiu. Foi
muito dura a luta, tremendamente dura, foi um dia, mas foi um dia de cão, um
dia no inferno. A partir daí, houve uma perseguição e eles se instalaram em
Montese […]
FONTE PORTAL FEB